Após participação no XVII Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga (FNT), no Ceará, não por acaso numa sexta-feira à meia noite, o espetáculo musical de teatro de cordel A Gente Canta Padilha volta a cartaz no Teatro Martim Gonçalves (Escola de Teatro da UFBA, no Canela), de 8 a 17 de outubro, com apresentações de sexta-feira a domingo, às 20h, com ingresso oferecido ao preço único e popular de R$5,00. Dirigida por Armindo Bião, a peça é resultante de pesquisa ao mesmo tempo histórica, literária e artística e trata da possível transformação de uma personagem histórica do séc. XIV espanhol, Doña María de Padilla, na entidade da umbanda brasileira contemporânea, Maria Padilha. O êxito da apresentação em Guaramiranga foi tal que a trupe foi convidada e já confirmou retorno ao Ceará em março de 2011, para turnê que, começando pelo SESC de Fortaleza, encena o espetáculo na rede de teatros SESC das cidades cearenses. A peça que adotou o método de montagem cênica em processo constante de adequação já fez suas primeiras transformações, encurtando alguns diálogos e referências históricas e tornando a dramaturgia mais ágil. Com reduções e rearranjos de falas para dar maior clareza à narrativa e dinâmica ao ritmo épico-dramático, A Gente Canta Padilha tem, agora, 80 minutos de duração, como muita música, canto e dança em tom de humor, às vezes bem de escracho.
Desde sua estréia e do sucesso de público de sua primeira temporada com casa sempre lotada e sua concorrida apresentação em Guaramiranga, a peça tem mais um trunfo a comemorar: o blog, que reúne informações, fotos e promove a interatividade com internautas, já contabiliza mais de mil acessos. As conferências, intervenções e palestras do diretor Bião no festival cearense também atraiu muita atenção dos participantes do certame, sobre o espetáculo, que é resultado de pesquisa extensa e em profundidade. A ação da peça acontece na atualidade e em outros momentos da história, passando por três continentes, Europa, África e América do Sul, especificamente pela Espanha, Portugal, França, Angola e Brasil. O mais antigo desses períodos históricos é o do século XIV, com a dramatização de fatos passados no então reino de Castela e Leão, particularmente na cidade andalusa de Sevilha. Em seguida, tendo como referência os séculos XV e XVI, ocorre a teatralização de narrativas cantadas do romancero viejo español. Os séculos XVII e XVIII são abordados com a encenação de fragmentos de autos-da-fé da Inquisição na península ibérica e seu alcance até Angola e Brasil. O século XIX é tratado com trechos da famosa ópera Carmen, baseada na novela de Prosper Mérimée, e uma referência poético-musical de Victor Hugo. Já o século XX é encenado com a adaptação teatral do folheto de cordel O encontro de Lampião com a Negra De Um Peito Só, de José Costa Leite.
Inspiração no teatro de cordel de João Augusto
Resultado de um projeto de pesquisa apoiado pelo CNPq e pela UFBA, tendo, como principais autores de referência, Roberto Motta (1990), Marlyse Meyer (1993), Monique Augras (2001, 2009) e Carlos Ros (2003), A Gente Canta Padilha se inspira no teatro de cordel de João Augusto Azevedo, encenador líder do Teatro Vila Velha, de Salvador, nos anos 1960 e 1970. Do ponto de vista de técnicas teatrais, o espetáculo também se baseia nas proposições de Stanislavski e Brecht, particularmente da maneira em que foram tratadas pelo teatro de cordel baiano e pelo Teatro de Arena de São Paulo, também dos anos 1960 e 1970, quando foram encenados os célebres Arena Canta Zumbi, Arena Canta Bahia e Arena Canta Tiradentes. O recurso ao método do coringa, proposto por Augusto Boal, com diversos atores interpretando uma mesma personagem, por exemplo, é uma das características de A Gente Canta Padilha.
Do ponto de vista musical, o espetáculo faz a opção pela música acústica, sempre executada ao vivo pelo próprio elenco, sem qualquer intervenção de sonoplastia gravada mecânica e é bastante eclético, como sugere a grande diversidade de materiais dramatúrgicos, períodos históricos e ambientação geográfica. No entanto, um marco musical fundamental é o dos padrões clássicos da cantoria nordestina, que aparece, de modo recorrente, na abertura e conclusão da montagem, assim como em cada momento de transição. Na forma de quadras e sextilhas de sete sílabas, com rimas nos versos pares, o texto poético de Armindo Bião foi musicado pelo elenco, com a expressiva participação dos músicos Thales Branche, Fao Miranda, Marcelo Jardim e Luciano Salvador Bahia. Os outros marcos musicais do espetáculo são o romanceiro ibérico, o canto andaluz, o samba de roda do Recôncavo baiano, a habanera operística, a canção francesa do tipo chansonnière, e os pontos da umbanda brasileira.