O chefe do serviço de ortopedia do Hospital Universitário Professor Edgard Santos (HUPES/UFBA), professor Gildásio Daltro, realiza uma pesquisa, desenvolvendo um tratamento alternativo para pacientes portadores de anemia falciforme que desenvolvem necrose nos ossos com 93% de sucesso. A nova cirurgia faz a aplicação de uma espécie de massa contendo células-tronco do próprio paciente.
A anemia falciforme é uma doença genética que se caracteriza pela má formação das células vermelhas do sangue, em formato de foice, que são removidas da circulação e destruídas. Esses pacientes têm grande risco de desenvolver osteonecrose devido à oclusão da pequena rede de vasos.
As células que transportam o oxigênio pelo corpo apresentam formato de foice e não conseguem prender efetivamente esse oxigênio para alimentar todo o organismo. Além disso, a membrana muito fina faz com que seja mais susceptível à destruição. Consequentemente, a pessoa portadora da anemia falciforme apresenta problemas relacionados à circulação, como oclusão dos vasos, restrição de sangue e infarto. Pacientes com a doença falciforme geralmente apresentam doenças ortopédicas que precisam de intervenção cirúrgica, sendo a mais comum a osteonecrose.
No Brasil, os tratamentos mais comuns são a prevenção ou a colocação de uma prótese no local afetado. Atingindo 13% da população brasileira, a cada 600 pessoas, uma apresenta a doença hereditária. Dos portadores, cerca de 50% apresentarão necrose dos ossos do quadril. Atualmente o Ambulatório de Ortopedia atende 4800 pacientes com a doença, cadastrados no ambulatório de Anemia Falciforme.
As osteonecroses mais comuns ocorrem na cabeça do úmero ou do fêmur, devido à rede de vasos limitada, que podem facilmente serem afetadas pelas oclusões da anemia falciforme. O colapso da cabeça do fêmur tende a ocorrer dentro dos primeiros cinco anos de diagnóstico, o que reflete uma atenção periódica necessária. O tratamento tradicional indica a implantação de prótese para o paciente, já que o osso inevitavelmente se desgastará com o tempo.
Cirurgia
“Antes precisávamos esperar a necrose realmente avançar no paciente para a colocação da prótese, o que é um procedimento muito mais invasivo do que o que estamos realizando agora”, explica o professor Daltro. A pesquisa propõe a utilização de células tronco autólogas, do próprio paciente, na região afetada com um tipo de cimento feito a partir de fosfatos de cálcio, substância com excelente biocompatibilidade com os ossos naturais do organismo.
Dessa forma, o novo procedimento não tem a necessidade dos 12 profissionais, a prótese, a internação na UTI, nem de internação da enfermaria por 15 dias, como é o comum na cirurgia de prótese. O professor Daltro indica que as técnicas utilizadas podem custar 1/5 do valor do tratamento tradicional e oferece risco zero, já que o material usado é do próprio paciente. No lugar de colocar uma prótese no paciente, o cirurgião faz uma pequena incisão, suficiente para passar uma furadeira de calibre pequeno até o osso, que entra na cabeça do fêmur, por exemplo.
A cirurgia é fruto de uma pesquisa realizada em parceria com a Universidade de Paris XII, por meio do professor Philippe Hernigou, do departamento de Cirurgia Ortopédica, para transferência de tecnologia. O procedimento já é realizado na França desde 2000 e veio ao Brasil, ainda em fase experimental, em 2004. Foi iniciado como uma pesquisa com apoio do CNPq e hoje compõe o quadro de procedimentos experimentais do Ministério da Saúde (MS). O estudo já tem quase 500 pacientes atendidos vindos de todo o Brasil. Apesar de a pesquisa estar formando profissionais, o Hospital ainda é a única instituição a realizar o procedimento.
Para realizar a cirurgia, o paciente deve ainda estar nas primeiras fases da osteonecrose. Nesta fase a pessoa ainda tem as articulações naturais. Apesar do foco da pesquisa estar em tratamento para portadores da anemia falciforme, a cirurgia se aplica para qualquer tipo de osteonecrose, que pode ser gerada pelo uso constante e indiscriminado de corticoides ao longo da vida, por exemplo.
“Caso a necrose já esteja avançada, a aplicação não terá o efeito pretendido. Nesta parte o mais indicado é a prótese”, explica Dr. Daltro. Ele ainda mostra que o procedimento é bem simples. “Outras pesquisas já tinham indicado a boa adaptabilidade dessa substância no organismo, já que sua composição química é semelhante à do osso humano”, fala o professor. De acordo com o artigo publicado pelo professor no livro Osteonecrosis, os resultados com a aplicação de células tronco têm sido melhores e mais rápidos do que com a aplicação dos fosfatos de cálcio sem as células. Segundo professor Daltro, o paciente já começa a sentir o alívio da dor dentro de 48 horas.
Resultados anteriores já indicam a eficiência do procedimento e apontam para uma boa adesão pelos pacientes. “Ainda não tivemos que refazer nenhuma cirurgia. Todas tiveram sucesso na primeira vez”, afirma o professor. De 4 a 60 dias o paciente já sente o resultado, mas para surgir a diferença nos exames de imagem, é preciso esperar de seis meses a um ano, quando a cabeça do fêmur, no caso, não mostrará a porosidade e estrias características da necrose.