O Secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Jailson Bittencourt de Andrade - que também é professor e pesquisador do Instituto de Química da UFBA - apresentou na manhã de sexta-feira (29/01) a proposta ministerial de “Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI) 2016-2019” a uma plateia de pesquisadores, docentes, gestores públicos, empresários e estudantes, no auditório da Biblioteca Universitária de Saúde Professor Álvaro Rubim de Pinho, no Canela. Em fase de discussão pública, a ENCTI, que deverá ser concluída até o mês de abril, definirá as diretrizes de ação do governo federal para Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) nos próximos anos, à luz do novo Marco Regulatório de CT&I, sancionado no início do mês pela presidente Dilma Rousseff.
Redigido em torno de três pilares básicos - mitigação de desigualdades sociais e regionais, ampliação da educação e da pesquisa em nível básico e fomento da inovação acadêmica e empresarial - , o documento (acessível aqui) vem sendo apresentado em conferências por todo o país, visando a coleta de sugestões e críticas antes de ser aprovado. “O sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil é bom, porém pequeno: precisa ser expandido, consolidado e integrado, com financiamento público”, defendeu o secretário. A palestra foi uma realização conjunta da UFBA, SECTI (Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado), Academia de Ciências da Bahia e Fiocruz-BA.
Saudado pelo reitor João Carlos Salles - que aproveitou para anunciar à plateia a significativa melhoria da situação financeira da UFBA alcançada ao final do ano de 2015 e convocar à participação no Congresso da UFBA, em julho - , Andrade conversou com o UFBA em Pauta após a palestra:
A proposta da Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação enfatiza a necessidade de refundar a relação entre o meio acadêmico e o empresarial. Como é essa relação hoje, e como ela pode vir a ser?
A relação universidade-empresa varia bastante. Por exemplo, na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), a relação universidade-empresa é uma estratégia de universidade. É uma obsessão universitária, tanto que você tem grandes parques [industriais] no entorno da universidade. Se tomamos a nossa universidade [a UFBA], essa relação é efetiva se olharmos em relação, por exemplo, ao Polo Petroquímico de Camaçari: historicamente, há sim uma relação e uma interação do setor empresarial com a universidade; mas isso não é bem visto dentro da universidade, não é uma estragégia da universidade. A UFBA interage mais com a sociedade através da parte artística, da parte cultural, do que nesse outro tipo de interação [empresarial]. Então, esse é o momento de a universidade pensar como ela quer se relacionar com os diversos setores da sociedade, e daí desenhar uma estratégia para que as diversas unidades e departamentos consigam fazer isso. Quem interage diretamente com a sociedade é o pesquisador, mas a universidade é quem desenha [a política de interação].
O senhor propõe uma relação “mais madura” entre universidades e empresas de um modo geral. Como deve se dar essa relação?
Transformar as grandes ideias geradas dentro da universidade em benefício para a sociedade depende das empresas: quem faz essa ponte é a empresa. O maior benefício que a universidade traz é formar recursos humanos altamente qualificados e gerar conhecimento altamente produtivo, em todas as suas áreas. Mas quem transforma isso em um bem para a sociedade é a empresa. Quem leva até mesmo a parte musical ou literária da universidade [para a sociedade] é a empresa. Às vezes as pessoas não percebem isso, percebem só o lado industrial. Então, [a relação com as empresas] é um tipo de interação que a universidade precisa discutir e enxergar o quão multificetada é, e pensar em como dar cidadania acadêmica a essa interação, [para poder] dizer ‘essa interação nós queremos’, ‘esse tipo de interação nós não queremos’. Pode ser que uma empresa traga uma proposta fantástica para a universidade, mas que não tenha uma visão ética, ambiental ou humanística que permita que isso seja decidido na universidade. Isso faz parte também: que a universidade diga ‘esse tipo de interação eu não quero’, ou ‘esse tipo de interação eu quero’. É daí que surge uma interação madura.
A viabilização de recursos para pesquisas no Brasil, tradicionalmente bastante engessada, burocratizada, tende a se tornar mais eficaz?
O novo código de Ciência, Tecnologia e Inovação tira um pouco desse gesso, porque ele permite “encomendas”: ele permite que os vários órgãos do governo federal possam encomendar projetos às universidades. Por exemplo: nesse momento, o virus zika virou uma questão emergencial, então, o governo pode fazer gastos emergenciais. Essa visão vai permitir que, sempre que o governo achar que algo é importante, que ele precisa daquele empenho, que ele precisa daquele conhecimento na sociedade, ele pode contratar isso. Não precisa lançar um edital, esperar chegarem as propostas… Essa encomenda não pode ser a norma, mas ela precisa ser uma alternativa.
O senhor defende que se invista na melhoria das condições de trabalho para docentes e pesquisadores -sobretudo recém-ingressos - e na profissionalização da pesquisa universitária. Como atacar esse problema?
Hoje, nas universidades, a parte de pesquisa é tocada por estudantes e por professores. Mas precisamos de técnicos altamente qualificados que façam isso: pessoas na universidade que possam ser só pesquisadores. Isso não pode ser um grande corpo na universidade, porque a função dela primordial é a formação de pessoas. Mas ela precisa de uma alternativa para, junto com professores e estudantes, ter profissionais altamente qualificados dedicados à pesquisa, que tenham status de pesquisador. Grandes equipamentos, grandes laboratórios multipropósito não podem ser tocados só por estudantes e professores. É essa a direção do momento, na qual esperamos que as universidades avancem.
Como acha que os critérios de avaliação da pesquisa universitária podem avançar, no sentido de torná-la menos burocratizada e menos refém dos números?
É simples: a avaliação não pode ser numerológica. Os números guiam - você sempre irá precisar de números para guiar. Mas a decisão não pode ser tomada por números. E aí, cada segmento precisa definir quais são seus indicadores. Certamente que os indicadores da área de artes da universidade não são os mesmos das áreas de ciências exatas ou de saúde. Mesmo na área de saúde, você tem setores distintos, não é um único indicador. Precisamos, mais do que nunca, reconhecer a universidade como um prisma multifacetado, e não como um espelho plano que só tem uma imagem.
Qual sua expectativa para o Congresso da UFBA, que acontece em julho?
Acho que o ponto alto da gestão do reitor João Carlos Salles é o Congresso da UFBA. Ele coloca a universidade em debate, abre a universidade à discussão. Cabe à sociedade organizada, se quiser, trazer contribuições. Mas cabe, mais ainda, à comunidade da UFBA - funcionários, professores, e studantes - , organizada ou desorganizadamente, trazer suas propostas, defendê-las, colocá-las em discussão. Eu acho que está na época desta jovem de 70 anos ‘tomar uma arrumada’, e que a gente possa festejar os 100 anos dela com uma nova cara.
O senhor virá ao Congresso?
Venho, com certeza.