Nesta sexta-feira (23 de novembro), às 9h, a atriz e pesquisadora Jussilene Santana realiza a palestra inaugural do segundo semestre letivo de 2012, intitulada "A Escola de Teatro de Martim Gonçalves (1956-1961): entre o fogo cruzado do cosmopolitismo e da 'baianização'", no Teatro Martim Gonçalves. Na ocasião, haverá também a abertura da exposição fotográfica "Os espetáculos de Martim Gonçalves no Rio de Janeiro (1961/1972)". Os eventos fazem parte da abertura do semestre e é uma promoção comemorativa da nova diretoria da Escola de Teatro (Eliene Benício), do PPGAC/UFBA, da Universidade Veiga de Almeida (UVA/RJ), do Grupo de Pesquisa Design, Cultura e Comunicação/CNPq/UVA e do grupo teatral Teatro NU.
A palestra versará sobre a criação da Escola de Teatro da UFBA e sobre o papel do seu fundador, Martim Gonçalves, na criação do ambiente cultural baiano há mais de 50 anos. Baseada na pesquisa de doutorado defendida no início de 2012, Jussilene promete levantar pontos polêmicos sobre essa administração que ainda repercutem de forma conturbada no imaginário cultural local. Em especial, sobre o encontro/confronto das “tradições baianas” com as correntes mais universalistas das artes cênicas.
“Na verdade, Martim Gonçalves encontrou uma solução muito original para o projeto pedagógico de sua escola, uma solução inclusiva, dialógica e séria, e que deu conta, em seus primeiros anos, de um difícil equilíbrio entre essas forças. Equilíbrio até hoje perseguido e raramente alcançado”, afirma. Mas a pesquisadora chama atenção para como a narrativa dessa história foi contada ao longo dos anos, sobretudo após forte campanha dos jornais locais do período e de parte da administração universitária para afastá-lo do cargo: “Ficou só um lado dessa história, o Martim que fazia parcerias com estrangeiros. O outro Martim foi ‘antropofagizado’. Todos comeram de sua carne e ganharam força, mas nem sempre revelaram o segredo da própria energia”, defende.
Quanto à exposição, apresenta em 18 fotografias alguns dos 16 espetáculos que Martim Gonçalves dirigiu no Rio de Janeiro após sair da direção da Escola de Teatro. “Essa exposição é uma provocação e uma chamada à realidade do ambiente teatral baiano sobre a importância de se contar sua história de forma complexa. Foi surpreendente perceber durante as dezenas de entrevistas que fiz para o doutorado, como ninguém, absolutamente ninguém, sabia nada sobre o que ocorrera com Martim ao sair de Salvador. Era como se, simbolicamente, se dissesse: ‘Ele morreu para nós’”, afirma.
Após sair definitivamente da ET, em outubro de 1961, Martim Gonçalves trabalhou ativamente no ambiente cultural carioca, entre 1962 e 1972. Ainda em 1961, recebeu o prêmio de diretor revelação da Sociedade de Críticos de Teatro do RJ, exatamente pelo conjunto de montagens apresentadas na Bahia (1956-1961). Em 1962, é nomeado coordenador do Programa de Teatro da Diretoria do Ensino Superior do MEC, quando começa a promover a publicação da obra de Constantin Stanislavski no Brasil, projeto gestado e iniciado nas dependências da ET/UFBA.
Ainda em 1962, volta aos palcos como diretor. Funda, na Maison de France/RJ, o Centro Cultural e Dramático, onde promove intenso cotidiano de aulas, palestras, exposições e oficinas; e o grupo Teatro Novo. Com esse último, monta quatro espetáculos: Bonitinha, mas Ordinária, na primeira montagem do texto do amigo Nelson Rodrigues, em 1962; Victor, ou As Crianças no Poder, de Roger Vitrac, em 1963; As Mal Amadas, de Jean Anouill, em 1963; A História do Zoológico, de Edward Albee, em 1963.
Em paralelo às atividades como professor de interpretação, direção e cenografia em instituições como Maison de France, MAM/RJ e UFRJ, foi crítico de O Globo, entre 1966 e 1972, período durante o qual também continuou ativamente produzindo e dirigindo espetáculos. Ganhou um Prêmio Molière de Melhor Direção por Queridinho, de Charles Dyer, em 1967, e um Prêmio de Melhor Tradução por O Galpão, de Jean Genet, texto que teve montagem simultânea no Rio de Janeiro (Martim Gonçalves) e São Paulo (Victor Garcia), em 1970/1971.
Seu trabalho como tradutor e/ou introdutor de novos textos no repertório nacional também merece destaque. Dos 16 espetáculos que dirigiu em 10 anos (1962-1972), traduziu sozinho ou em conjunto cinco deles (Victor, ou as crianças no Poder, com Hubert Sarrasin, do francês; A História do Zoológico, com Marco Antonio Menezes, do inglês; A Noite dos Assassinos, do espanhol; O Balcão, do francês, e O China, do inglês), capitaneando a tradução de outros cinco (Pena Ela ser o que é, de John Ford, com tradução de Manuel Bandeira; As Criadas, de Jean Genet, por Francisco (Pontes) de Paula Lima; Queridinho, de Charles Dyer, por Sérgio Viotti; Verão, de Romain Weingarten, por Jacqueline Laurence e, reeditando da fase baiana, Senhorita Júlia, de August Strindberg, por Knut Bernström). Martim Gonçalves falava fluentemente, além do português, mais quatro línguas (inglês, francês, espanhol e italiano).
A exposição traz fotos de Victor ou As Crianças no Poder; A História do Zoológico, As Criadas, A Noite dos Assassinos e A Celestina, de Fernando de Rojas. Entre os atores, nomes como Norma Bengell, Eva Todor, Rubens Correa, Ítalo Rossi, Jacqueline Laurence, Milton Moraes, Labanca, Célia Biar, Thelma Reston, entre muitos outros.
Chama atenção a lista de “baianos” que continuou trabalhando com ele no Rio, apesar desse fato jamais ter sido registrado, guardando-se no imaginário cultural baiano a ideia de que Martim Gonçalves saiu da Escola de Teatro “ilhado e sozinho”, ou mesmo “abandonado e escorraçado”. Entre outros nomes: Antonio Patiño, Maria Fernanda, Érico Freitas, Helena Ignez, Lisette Fernandes, Maria Moniz e Jurema Penna. Para não falar dos parceiros de outras áreas como Paulo Gil Soares (TV/Cinema), Glauber Rocha (Cinema) e Clarival do Prado Valladares (Artes Plásticas).
Martim Gonçalves foi responsável por lançar novos nomes também no cenário profissional carioca, como: Ednei Giovenazi, Carlos Vereza, Marco Nanini, Heleno Prestes e André Valli. A exposição fica em cartaz apenas entre 23 a 26 de novembro, no foyer do Teatro Martim Gonçalves, da Escola de Teatro.